terça-feira, 28 de junho de 2016

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — ESTUDO 011



Essa é uma série estritamente acadêmica, mas não existe na mesma absolutamente nada que impeça a leitura por todas as pessoas. De fato, queremos incentivar que todos possam ler esses artigos e compartilhar os mesmos com todos os seus contatos, parentes e conhecidos.

ESTUDO 011 — ESCRIBAS E OS MANUSCRITOS QUE PRODUZIRAM — PARTE 003

CONTINUAÇÃO...

No começo da expansão da fé cristã, os manuscritos de documentos bíblicos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, eram encomendados por indivíduos que tinham recursos para uso próprio e também para serem doados para congregações de cristãos. Por causa do crescimento acelerado do número de cristãos, a demanda por mais e mais cópias de livros, especialmente do Novo Testamento, tornou-se cada vez maior. Com isso o inevitável aconteceu. Inúmeras cópias foram produzidas com grande rapidez em detrimento da qualidade que a tarefa exigia. Agostinho de Hipona chegou a reclamar de tal produção massiva dizendo que: pessoas com pouco conhecimento do grego e do latim se metiam a fazer traduções e cópias de qualidade muito abaixo da esperada.

Todavia, durante o quarto século, quando os cristãos receberam a aprovação imperial, então tornou-se comum a produção de manuscritos de forma comercial. Essas cópias manuscritas eram produzidas por empresas comerciais em locais chamados de scriptoria — lugar em que se escreve. As mesmas eram produzidas, simultaneamente, por um grupo de escribas distribuídos pelo recinto com o material necessário para executar a tarefa. Isso, por sua vez, era feito por meio de um indivíduo que lia — lector — o material de forma pausada para que fosse devidamente escrito, simultaneamente, por todos os copistas contratados. Dessa forma, diversas cópias eram produzidas ao mesmo tempo, como resultado dos copistas contratados pelo scriptorium. Não é difícil imaginar que esse meio de reprodução de manuscritos favorecia o cometimento dos mais diversos erros. Não era incomum que um dos escribas não estivesse 100% atento num ou noutro momento. Um espirro ou qualquer outro tipo de ruído era suficiente para impedir a audição correta daquilo que estava sendo lido. Além disso, a língua grega, por suas peculiaridades, não auxiliava nesse processo. Um caso notável é Romanos 5:1. Algumas cópias trazem o verbo grego como estando no presente do indicativo e outras, como estando no presente do subjuntivo. A diferença é causada por uma única e mesma letra em grego. No caso da forma indicativa a escrita é ἔχομεν échomen — temos. Já no caso do subjuntivo, a forma escrita é ἔχωμεν — échOmen — tenhamos. Note que a diferença é que no primeiro caso se usa um ômicron e no segundo um ômega. O som das duas palavras é praticamente idêntico. Essa duplicidade aparece em versões em português.

Romanos 5:1 na Almeida Revista e Atualizada

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.

Romanos 5:1 na Almeida Revisada de acordo com os melhores textos

Justificados, pois, pela fé, tenhamos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.

Nota: os chamados “melhores textos” mencionado acima são alegadamente e não necessariamente “melhores”.

Visando minorar esses erros, os manuscritos produzidos em scriptoria eram revisados por um indivíduo especialmente treinado para detectar os erros e corrigi-los. Mais adiante falaremos dos erros mais comuns cometidos pelos copistas, pois os mesmos eram bem conhecidos e estavam catalogados. As anotações do revisor são facilmente perceptíveis por causa do tipo de escrita e também por meio do uso duma tinta especial usada para esse fim.

Os escribas contratados por um scriptorium eram pagos de acordo com o número de linhas que tinham produzido. A extensão das linhas era padronizada e para isso, usava-se ou o hexámetro homérico ou o trímetro lírico. Quando cópias em prosa eram produzidas — como é o caso dos manuscritos do Novo Testamento — uma linha, que era chamada de stichos tinha dezesseis — às vezes quinze — sílabas, e era usada como padrão para os pagamentos. No ano 301 um decreto promulgado pelo imperador Diocleciano fixou o salário a ser pago pelos serviços de cópias em: 25 denários para cada 100 linhas de cópia de primeira qualidade e 20 denários para cópia de segunda qualidade. O que, exatamente, diferenciava uma cópia das outras não foi especificado. Para se produzir uma cópia da Bíblia inteira em grego — Antigo e Novo Testamento — o investimento necessário era da ordem de 30.000 denários.

Os scriptoria também criaram uma régua de medida que foi chamada de sticômetro — media o número de linhas numa coluna. Uma coluna que não tivesse o número correto de linhas, com base no sticômetro, era considerada defeituosa, por razões óbvias. Todavia a contagem de linhas não impedia que outros erros permanecessem no texto. Nos Evangelhos que foram produzidos usando o sticômetro o número padrão que sobressai é — em números arredondados: 2600 linhas para Mateus, 1600 linhas para Marcos, 2800 linhas para Lucas e 2300 linhas para João. Tal contagem implica a presença de Marcos 16:9—20 no Evangelho de Marcos e a ausência de João 7:53—8: no Evangelho de João em cópias aferidas. 

Mais adiante, já no período bizantino, as cópias eram produzidas por monges. Nos mosteiros não existia a pressão comercial que existia nos scriptoria. Em vez de copiarem os manuscritos a partir de algum ditado, os monges trabalhavam sozinhos em suas celas copiando os mesmos para si próprios ou para algum benfeitor do mosteiro. Tal tipo de reprodução massiva de cópias não estava sujeito aos mesmos tipos de erros que aconteciam por meio do método do ditado. Mas existiam outros fatores que também dificultavam a produção de cópias isentas de erros. O ato de copiar dentro da cela de um mosteiro tinha a seguinte ordem: 1) a autoleitura em tom de voz moderado; 2) a memorização temporária do material a ser copiado; 3) a recitação do material a ser copiado; 4) o movimento da mão na execução da cópia. Apesar desses passos serem realizados simultaneamente, ainda assim havia muitas oportunidades para a mente do copista divagar e fazer surgir graves erros.

Questões fisiológicas também concorriam para o surgimento de erros. O ato de copiar algo exige muita atenção e concentração. O leitor pode experimentar isso na prática selecionando uma passagem do Novo Testamento, digamos de apenas dez versículos, e tentar copiá-la. Você ficará surpreso com o resultado. Um dos maiores problemas enfrentado pelos copistas daqueles dias era a posição usada para se fazer a cópia. Geralmente a cópia era feita com o escriba sentado, com o original colocado sobre suas pernas e a cópia que estava sendo produzida se encontrava num nível mais alto. Tal posição exigia grande firmeza muscular e produzia intensa fadiga. Como disse um dos próprios copistas: “aquele que não domina a arte da escrita, imagina que a mesma não dever dar trabalho. É fato que usamos apenas três dedos para escrever, mas o corpo inteiro está envolvido nesse processo”. Não é incomum, encontrarmos no final dos manuscritos a expressão: “graças a Deus”, como uma forma de manifestação de alívio representada pelo término do trabalho.

CONTINUA...

OUTROS ARTIGOS DE COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 001 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 002 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 003 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — O PAPIRO — FINAL

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 004 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — OS PERGAMINHOS

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 005 – MATERIAL DE ESCRITA ANTIGO — PAPEL E BARRO

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 006 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 001
COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 007 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 002

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 008 – ARQUÉTIPOS E AUTÓGRAFOS — PARTE 003 – FINAL

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 009 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 001

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 010 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 002

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 011 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 003

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 012 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 004

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS – PARTE 013 – OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 005

COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — PARTE 014 — OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 006
http://ograndedialogo.blogspot.com.br/2017/02/como-o-novo-testamento-chegou-ate-nos.htmll



COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS — PARTE 015 — OS ESCRIBAS E OS COPISTAS E OS MANUSCRITOS QUE ELES PRODUZIRAM — PARTE 007

Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

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